"(...)E se definitivamente a sociedade
Só te tem desprezo e horror
E mesmo nas galeras, és nocivo,
És um estorvo, és um tumor
A lei fecha o livro
Te pregam na cruz
Depois chamam os urubus(...)"
Chico Buarque, Hino de Duran
Inegavelmente os homossexuais saíram do armário nos últimos anos. As Paradas da Diversidade, cada vez mais, tornam-se megahiperultrasupereventos em que ninguém pensa em se esconder. É comum entre os adolescentes a convicção de que não é mais bicho-de-sete-cabeças experimentar uma relação com o mesmo sexo para poder fazer com mais propriedade sua opção sexual. Sem falar nos que declaram querer passar a vida experimentando tudo sem se decidir por nada. Opções sexuais à parte, ganhamos em liberdade e redução da hipocrisia, pois já que é inconcebível estabelecer regras para o uso que os indivíduos fazem das próprias mãos ou pescoços...Só te tem desprezo e horror
E mesmo nas galeras, és nocivo,
És um estorvo, és um tumor
A lei fecha o livro
Te pregam na cruz
Depois chamam os urubus(...)"
Chico Buarque, Hino de Duran
Mas existe um tipo humano que não saiu e nem parece que vá, tão cedo, sair do armário. Está tão bem escondido lá, que pouquíssimos dos antigos co-habitantes de seu esconderijo sabiam que desfrutavam de sua companhia. Mas não é que eu seja... O lance é que há menos de um mês, fui visitar um amigo, e, como o banheiro social estava em obras, precisei usar a suíte. (Vou poupar o possível leitor dessas linhas de um longo trecho de suspense, conflitos cognitivos e explicações, indo direto ao fato, afinal, não sou ficcionista nem repórter.) Quando entrei no quarto, a porta do armário estava entreaberta e, ao passar por ela, flagrei dentro do tal armário um “honesto enrustido”.
É verdade, segundo a própria pessoa portadora de valores peculiares disse durante uma breve conversa, embora poucos saibam, existem milhares de brasileiros honestos enrustidos, ainda que a desonestidade tenha sido e seja o traço mais marcante do caráter brasileiro. Depois dos momentos tensos e confusos que resolvi omitir nesse relato, descobri que o tal sujeito era um irmão do meu amigo que todos acreditávamos morar em outro estado há anos, mas que na verdade vivia em cárcere privado voluntário. O que acontece é que esses milhares de brasileiros honestos enrustidos enfrentam uma situação do tipo “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Ou seja, precisam escolher entre ser desonestos e violentarem a si próprios, ou, contra tudo e contra todos, tentarem dar vazão a sua honestidade, o que no Brasil, talvez seja o único crime em que não se pode contar com a impunidade.
Ainda segundo ele, como apesar de honestos, não são masoquistas nem burros; vêm desde que os índios foram escorraçados, buscando refúgio em armários, closets e outros lugares sombrios. Com a freqüência que a prudência permite, organizam reuniões em que conversam sobre temas que, fatalmente, seriam considerados heréticos por ouvidos normais. Passam a vida sonhando com o dia em que seus compatriotas vão perceber que eles não são exatamente criminosos, como não o foram (nem o são) os homossexuais, ainda que no passado os do sexo masculino fossem enquadrados em um crime previsto por lei, o de sodomia.
Mesmo abalado, temeroso e confuso, confesso que tal descoberta me atiçou uma certa curiosidade antropológica. Pretendo assim que possível, entrar em contato com o meu amigo (o dono do apartamento) e marcar uma entrevista com o tal sujeito.