Hino à brasilidade

domingo, 15 de fevereiro de 2009
"JustificarSéculo xx 'cambalache', problemático e febril
O que não chora não mama
Quem não rouba é um imbecil
Já não dá mais, força que dá
Que lá no inferno nos vamos encontrar
Não penses mais, senta-te ao lado
Que a ninguém mais importa se nasceste honrado
Se é o mesmo que trabalha noite e dia como um boi
Se é o que vive na fartura, se é o que mata, se é o
Que cura
Ou mesmo fora-da-lei"
(Cambalache, versão Raul Seixas)

Na nota de rodapé da última postagem fiz uma referência a Pernambuco como um estado emblemático do Brasil. Com isso não quis dizer que o “Leão do Norte” seja a estrela mais brilhante de nossa bandeira, pelo contrário. Cada estado brasileiro se destaca em determinado ponto, por exemplo: no caso do Rio de Janeiro, a organização. Lá até o crime é extremamente organizado. Sem falar no carnaval. Muito se engana quem pensa que vai simplesmente vestir uma fantasia e sair pelas ruas cariocas brincando. No Rio não, só brinca carnaval quem paga. Em São Paulo, o gosto pelo trabalho. O paulista trabalha tanto que quase toda a população têm sintomas de depressão ou síndrome do pânico e até mesmo a atmosfera está estafada. Na Bahia a alegria, tanto que lá o carnaval dura o ano todo, mesmo os eventos religiosos parecem desfiles de blocos carnavalescos. Alagoas talvez seja o único lugar da civilização ocidental em que existe uma sociedade realmente anárquica. No Ceará, o bom humor, a impressão que se tem é a de que a palavra Ceará é o nome de um circo cujos palhaços estão espalhados pela rua. Vamos parar por aqui, pois a lista seria imensa. O título que dei a Pernambuco se deve ao fato dessa terra abençoada reunir todas as características que juntas formam o nosso país, ou seja, Pernambuco é um microcosmo de nossa nação. Sendo assim, só mesmo pernambucanos poderiam conceber um “Hino da Brasilidade”. É lógico que o espírito brasileiro encontra-se nessa linda canção aplicado a um contexto bem específico, mas o sentimento expresso pode ser encontrado em tudo mais o que forma o Brasil.

Salve o Conde do Brega!!!! Que apesar de não ser o compositor, foi o intérprete responsável pela socialização dessa pérola.

Segue a música acompanhada da letra para uma análise mais criteriosa.



Minha Liberdade
Só Brega
Composição: Robson Ricardo
Se minha vida é errada,
ninguém tem nada com isso,
eu posso fazer o que quero,
eu posso dizer o que penso,
não tem ninguém que mande em mim,
não vai ser você!

Já passei na sua vida,
e minha vida esqueci,
quem quiser que fale de mim,
tô nem aí, tô nem aí,
e pra ele só tenho a dizer:

Se quiser fumar eu fumo,
se quiser beber eu bebo,
minha liberdade tá aí, tá aí;
Se quiser sair eu saio,
com quem me der vontade,
minha liberdade tá aí, tá aí;
NÃO DEVO NADA A NINGUÉM

O Brasil é o bicho!!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
"E essa ânsia de prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de posições e riquezas fáceis, tão notoriamente característica da gente de nossa terra, não é bem uma das manifestações mais cruas do espírito de aventura? Ainda hoje convivemos diariamente com a prole numerosa daquele militar do tempo de Eschwege, que não se envergonhava de solicitar colocação na música do palácio, do amanuense que não receava pedir um cargo de governador, do simples aplicador de ventosas que aspirava às funções de cirurgião-mor do reino..."
(in: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil)


Quando tinha por volta de doze anos, dei o meu primeiro passo para a iniciação nos “Mistérios do modelo socioeconômico brasileiro”. Foi pouco tempo depois que me mudei do Rio de Janeiro para Recife. Certo dia, percebi que aqui em Recife o jogo do bicho era encarado com normalidade, até mesmo policiais fardados davam uma pausa em suas rondas para fazer uma fezinha. Intrigado, perguntei ao meu pai o motivo de aqui ser tão diferente do Rio nesse aspecto. Ele me explicou que em Recife o jogo do bicho era legalizado, por isso não era considerado crime como no Rio. Então perguntei: “ E por que não legalizam também no Rio, pra parar com aquela confusão toda?”. Meu pai me olhou surpreso, como se tivesse dito algo absurdo ( e com os anos percebi que era mesmo um absurdo, quando vindo de um brasileiro) e disse: “ E você acha que os bicheiros iam querer isso?”. Me explicou então que se legalizassem o jogo teriam que pagar impostos, registrar funcionários (ou sofrer as consequências por não fazerem isso), declarar imposto de renda, não poderiam matar a concorrência... por isso preferiram desenvolver estratégias para lidar com a ilegalidade, a prejudicar a geração de caixa*.

Essa primeira revelação, que eu pessoalmente denomino de “Lei da Insolubilidade dos Problemas”, é um ponto fundamental para a compreensão das relações socioeconômicas em nosso país. O brasileiro não acredita que os problemas devam ser resolvidos, por isso não perde tempo tentando resolvê-los, ele os dribla. Aproveitando o termo futebolístico, darei um exemplo relacionado a esse esporte, que, no Brasil, é também a maior forma expressão artística. Não importa se por falta de remuneração satisfatória nossos craques abandonam a pátria para jogar em outras e por isso não podem treinar o necessário para se entrosar com a seleção em época de Copa. Tentar pagar salários equivalentes, no mínimo, desestruturaria um setor importantíssimo de nossa economia, o da “exportação de talentos”,  lutar por um afastamento antecipado dos times que defendem desagradaria os clientes.

Desculpe-me a digressão, mas preciso comentar esse “Ás-de-ouros” de nossa economia. Em outras nações menos arrojadas, exportam-se tecnologia, bens de consumo, alimentos, matéria prima etc. Algumas, que provavelmente aprenderam isso com o Brasil, especializam-se em determinado tipo de equipamento, produto que por exigir manutenção acaba gerando um fluxo de capital perene até certo ponto, pois basta que o “quebra-cabeças” seja desmontado para surgir a concorrência. Nós não, exportamos talentos. Agora perceba quantas vantagens:

1. Por serem quase sempre natos, autodidatas, ou custeados pelas famílias, o aprimoramento desses talentos dificilmente se dá com investimento do Estado.

2. Até receber propostas estrangeiras, o talento presta serviços de primeira categoria à nação por valores baixíssimos.

3. Uma vez estabelecidos em outros países, os nossos heróis enviam enormes somas aos seus parentes e amigos, além dos gastos aqui em períodos de férias, o que oxigena e muito nossa economia.

4. Por ocasião do eventual retorno definitivo à pátria amada, normalmente nossas galinhas dos ovos de ouro acumularam bastante dinheiro e bens, isso se reflete no número de dígitos de seus impostos de renda, sem falar no nível de consumo.

5. Tanto a mídia nacional quanto a internacional promovem uma publicidade intensa do nosso principal produto, estimulando os autodidatas e os que são custeados pelas famílias a perseguirem com mais afinco o ideal de ser “tipo exportação”.

Mas, voltando à seleção. Por que se preocupar em tentar resolver o problema da falta de entrosamento da equipe? Se quem vence o jogo é quem faz mais gols, basta colocar dois ou três especialistas em gols na banheira e orientar o resto do time a lançar a bola para eles. Fácil! Por melhor ou mais entrosado que seja o adversário, dez jogadores unicamente preocupados em bloquear os ataques e chutar a bola para frente são praticamente imbatíveis.

Para finalizar, um exemplo menos estelar. Imagine que o sujeito seja profissional de uma determinada categoria que julga explorada pelos empregadores. Um imbecil pensaria em conscientizar os colegas, criar/fortalecer sindicato, fazer greves, assembéias, passeatas...ou seja, uma sequência interminável de dissabores. Além do mais, que graça teria uma conquista partilhada por muitos, seria como sair da concessionária orgulhoso por ter comprado um carrão, mas ao chegar na rua de casa notar que todos os vizinhos têm um igual. O brasileiro típico nem sequer pensa nessa possibilidade. Se seu ramo/cargo não o satisfaz, ele detecta outros promissores e dá um jeito de migrar para um deles. Aí entra a capacidade de cada um. Os mais capazes procuram fazer amizades, contatar parentes (mesmo os da esposa), prestar favores, candidatar-se a um cargo político. Os mais limitados fazem jornada dupla, ou seja, cursos para concursos, outras faculdades, cursos técnicos. Graças a isso temos um novo nicho no setor de prestação de serviços, o da formação. Várias instituições oferecem a “formação” que o sujeito desejar em pouquíssimo tempo e com risco quase zero de insucesso no curso. Muitas até introduzem o novo profissional no mercado. Além das que deixam de lado toda aquela babaquice de "construção do conhecimento" e partem logo às fórmulas necessárias para se passar em concursos públicos.

É por isso que o Brasil é o bicho . Aqui os problemas viram soluções.
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* A alguns posso ter dado a falsa impressão de que os bicheiros pernambucanos são menos sagazes que os cariocas. Pelo contrário, o fato é que em Pernambuco, estado emblemático do Brasil, desde a época dos donatários é vigente uma filosofia de incentivo ao cidadão capitalizado. Graças a isso tanto os bicheiros como todos os outros empreendedores de monta instalados em terras pernambucanas gozam de certa invulnerabilidade no que diz respeito aos inconvenientes citados.